A Procissão das Almas, em Mariana MG, é única no Brasil. Desde 1850 ela acontece durante a Semana Santa, na noite de sexta da paixão, mais exatamente às 00h05 do sábado de aleluia, pelas ruas do centro histórico da cidade. Duas lendas deram origem ao cortejo:
A primeira delas foi a lenda conta que existia uma senhora chamada Maricota de Todos os Santos, muito maledicente, que vivia na janela de sua casa vigiando a vida alheia. Com calos nos cotovelos de ficar debruçada na janela, ficava observando quem ia e quem vinha.
Em uma sexta-feira santa, observou se aproximar uma procissão e ficou surpresa por não saber do que se tratava.
Resolveu então ficar na janela pra ver quem estava na tal procissão. Quando se aproximaram mais ela viu que eles usavam roupas que cobriam todo o corpo, todos com velas nas mãos, e o primeiro da fila segurava uma enorme cruz preta.
Além dos trajes, ela escutava um som pausado de bumbo, bem fúnebre, uma matraca, gemidos, gritos lancinantes e os cantos:
“Reza mais, reza mais, reza mais uma oração; Reza mais, reza mais pra alma que morreu sem confissão” e
“Reza mais, reza mais, reza novena e trezena; Reza mais, reza mais pra alma que morreu sem cumprir pena”.
Um pouco assustada com a estranheza da procissão, ela continuou observando da janela, até que um dos participantes saiu de onde estava e foi em sua direção com a vela acesa, pedindo que ela guardasse a vela que ele logo voltaria para buscar.
Ele disse: “Mulher, guarde sua língua, a noite é dos mortos. Guarde esta vela pra mim, eu volto pra buscar” e se juntou aos outros.
Quando a procissão voltou, o participante pediu a vela de volta e lhe disse: “Mulher, amanhã estaremos juntos em outras paragens, mas guarde sua língua, a noite é dos mortos”. Ao entrar em seu quarto, no lugar da vela que ela havia guardado, havia um pedaço de um osso, da perna de um defunto!
A mulher passa mal e morre logo depois, mesmo sendo socorrida pelo padre e por um médico.
A outra lenda encenada na mesma procissão é de uma senhora que trabalhava ajudando o padre. Ela vivia na Igreja e se sentiu ameaçada com a contratação de um moça recém formada que iria ajudar o padre nas escrituras da paróquia.
Muito enciumada, a senhora começou a espalhar boatos a respeito da moça, dizendo que ela estava namorando o padre, mas ninguém acreditava. Então ela foi mais longe: roubou os sapatos do padre e colocou-os embaixo da cama da moça, obtendo assim um fato concreto, pois todos acharam que o padre havia esquecido os sapatos ali após ter dormido com a auxiliar.
Foi um escândalo, a moça foi expulsa de casa, o noivo não a quis mais e ela foi embora da cidade, virou andarilha.
Anos mais tarde a moça retorna ao distrito, maltrapilha, faminta e para na primeira casa que viu para pedir um copo de água. A dona da casa vai buscar e, quando volta, encontra a moça morta na calçada.
Organiza-se um velório, convidam as pessoas do lugarejo e quando a senhora maledicente da igreja adentra o recinto a defunta se senta no caixão e diz: “Está aqui entre nós quem me levantou um falso”. Todos saem correndo, obviamente, e a senhora desesperada procura o padre para se confessar.
Ele por sua vez lhe aplica uma penitencia inusitada: ela teria que recolher as penas de todas as casas de Mariana. Como não havia naquela época um abatedouro municipal, as pessoas matavam suas aves em casa e sempre tinham penas no quintal. Depois de muito tempo recolhendo as penas de casa por casa, conseguiu finalizar o que ela pensava ser a penitencia.
Só que tinha mais.
Então o padre explicou: “Agora leve todas as penas para o alto do morro do Galego, espere um vento forte espalhar todas as penas. O dia em que você catar a última pena, está remida de seus pecados.”.
E assim contam que até hoje ela está por aí catando as penas que o vento espalhou.
E é juntando essas duas lendas que é montada todos os anos a procissão das almas. Com orações, cantos e trajes, a Procissão das almas mistura folclore com religião, fé e lendas.