Esta é uma curiosidade que me “perseguiu” desde que comecei a fotografar as festas populares brasileiras... quase todas as festas brasileiras, mesmo as que são consideradas laicas, costumam ter alguma relação com a Igreja católica. Por exemplo:
O Carnaval: não é uma festa religiosa, claro, mas a sua data se estabelece a partir do calendário religioso cristão;
O Bumba meu Boi: também não é uma festa religiosa, mas muitos (se não a maioria) dos grupos de bois são formados como forma de pagamento de uma promessa a São João e, portanto, a festa sempre acontece no dia deste santo ou nesta semana;
A Romaria em homenagem a Padre Cícero: podia acontecer em qualquer momento do ano (na verdade acontecem várias ao longo do ano), mas a data mais importante deste festejo é o Dia de Finados, dia definido pela igreja para homenagear aos mortos que são queridos.
Como sempre me interessei muito pela diversidade, quando comecei a montar o calendário das festas populares brasileiras que queria registrar no segundo ano do meu projeto, pensei em dar uma ênfase maior a festas de outras religiões já que no primeiro ano, a imensa maioria de tudo o que tinha fotografado eram festas populares de origem católica... pesquisei bastante... e descobri que é bem difícil encontrar festas religiosas não católicas!
Me intrigava muito a questão “porque os católicos fazem tantas festas de rua e as pessoas das outras religiões não?” Claro que somos um país de maioria católica, mas não deveria haver (pelo menos algumas) festas promovidas por minorias? Mesmo que fossem em locais menores?
Recentemente me deparei com a primeira resposta a esta questão que me pareceu fazer sentido de fato. Ela foi dada pelo Carlos Rodrigues Brandão, em seu livro “A cultura na rua”. Ele explica o seguinte:
“Entre os protestantes, o templo de Deus é a pessoa, o corpo do fiel. Para eles, o único objeto de respeito (mas ainda assim não de veneração) é a Bíblia. O lugar santo é qualquer lugar onde, em nome de Deus, 2 ou mais pessoas estejam reunidas. Portanto, o próprio templo só é santo por causa da comunidade que o habita. (...) como não há lugares santos, também não há um lugar “aonde ir” em busca do sentido do sagrado. Sendo assim, não há procissões, nem romarias.”
“Entre os espíritas também não há, fora do corpo do sujeito e da comunidade de médiuns à volta de uma mesa com toalhas brancas, nada que mereça preceitos de veneração.(...) e o culto é basicamente o serviço entre os homens através dos espíritos e não rituais dos espíritos humanos a uma divindade”.
Em ambos os casos citados acima, se Deus está dentro das pessoas, não há sentido em fazer deslocamentos (procissões, romarias, folias, etc.) que geralmente são a base para as festividades de origem católica. E por isso elas não existem!
Já as religiões afro-brasileiras (como o candomblé e a umbanda) são sistemas de sacralização de lugares, mas, diferentemente da religião católica, os lugares sagrados são os lugares da presença terrena dos orixás, como os rios, o mar e a mata. Não um rio específico, mas qualquer rio onde se possa simbolizar a morada do orixá. Sendo assim, há algumas festas em locais “abertos” como a festa de Iemanjá que acontece na praia, mas não a necessidade de deslocar-se para uma praia específica, já que a orixá pode ser encontrada em todos os mares.
Sendo assim, há algumas festas populares brasileiras em locais “abertos” como a festa de Iemanjá que acontece na praia, mas não a necessidade de deslocar-se para uma praia específica, já que a orixá pode ser encontrada em todos os mares. Assim, algumas festas de religiões afro-brasileiras acontecem em lugares públicos, mas a maioria delas não chegará a ser uma reunião gigantesca de pessoas já que cada mãe ou pai de santo pode levar o seu grupo para um local diferente para realizar os rituais em homenagem ao orixá celebrado naquele momento.Interessante, não é?