No interior de Pernambuco, próximo à cidade de Tacaratu, nas margens do rio São Francisco, vivem cerca de 3.670 indígenas de etnia Pankararu.
Devido ao trabalho realizado pelos missionários, os indígenas cultuam a religião católica, observam o calendário de festas populares religiosas e, assim como boa parte da população nordestina que vive na caatinga, têm uma relação muito forte com o padre Cícero. É por isso que, todos os anos, na época de Finados, alguns deles saem em romaria e se dirigem a Juazeiro do Norte (a 360 km de distância) para prestar suas homenagens.
A forma de homenagem deles é bastante peculiar e remete às suas próprias tradições: trazem para Juazeiro do Norte, o ritual do Toré, que é o centro do complexo ritual Pankararu para os Encantados.
Os Encantados são “indivíduos vivos que se encantaram” voluntária ou involuntariamente. Não são necessariamente de origem afro-brasileira e não são espíritos desencarnados. São pessoas que desapareceram misteriosamente, sofreram a experiência do encantamento e foram morar no invisível ou se transformaram em um animal, planta, pedra, ou até mesmo em seres mitológicos e do folclore brasileiro como sereias, botos e curupiras.
Os Encantados são entidades que fazem parte da cosmologia Pankararu. Eles estão presentes em toda a terra indígena e agem como intermediários entre aqueles que estão na Terra, que fazem parte do mundo humano, com a entidade maior – que não está presente nessa Terra.
Nessa forma de pajelança afro-ameríndia, de vez em quando os Encantados saem lá do invisível e vêm à terra, no corpo dos iniciados, para dançar, dar conselhos, curar doenças, jogar conversa fora e matar as saudades do povo que continua por aqui.
Na concepção Pankararu, quem recebe o Encantado é um zelador, uma pessoa que é reconhecida como apta a receber uma “semente”.
Depois de manifestados, os Encantados passam a ser objeto de culto “particular”, cerimônias domésticas em que se fuma, toma-se garapa e canta-se o “toante” do Encantado, mas nas quais não se dança.
Quando o próprio Encantado pede para ser “levantado”, ele pode começar a ser cultuado também no Toré, que é a versão pública e coletiva dos “particulares”, quando os vários Encantados da aldeia podem se encontrar em festa. Para isso, o zelador deve tecer o Praiá, que é a “farda” do Encantado: uma saia e uma máscara de fibras de croá ou ouricuri que corresponderá a apenas ele.
O Toré é dançado ao ar livre por homens, mulheres e crianças, de preferência nos fins de semana. O ritmo é marcado pelo som de maracás feitos de cabaças. Os versos da música são cantados em português, misturados com expressões do antigo dialeto desse povo.
Em Juazeiro do Norte, no feriado de Finados, o ritual da Toré é realizado pelo grupo de indígenas que pode fazer a viagem naquele ano. Assim como os demais romeiros, os Pankararus sobem a pé a colina do Horto, visitam a estátua do Padre Cícero, o seu museu e fazem o caminho do Santo Sepulcro. Durante todo o percurso, cantam e dançam seguindo os rituais da Toré e encantam a todos que cruzam com eles durante a festa.