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Andrea Goldschmidt

O forte sexo frágil


Será que existe mesmo alguma coisa que as mulheres não possam fazer?

Na primeira vez que estive em Nazaré da Mata, no interior de Pernambuco, para conhecer o Maracatu Rural, ouvi várias teorias sobre “porque uma mulher não pode ser caboclo de lança”, o principal personagem dessa brincadeira de Carnaval.

Maracatu Rural grupo Feminino Coração Nazareno

Algumas explicações levavam em conta os aspectos físicos, da (pouca) força feminina: “a indumentária toda pesa mais de 30kg e seria muito puxado para uma mulher ficar vários dias seguidos fazendo tanto esforço físico de baixo do sol escaldante de fevereiro”. Basicamente, a crença era de que as mulheres ou não aguentariam ou não iriam se divertir nessas condições.

Outras explicações eram de ordem social: “as mulheres não vão deixar seus filhos pra traz pra brincar o Carnaval” ou “os pais e maridos não vão deixar as mulheres viajarem sozinhas” ou ainda “os homens nunca vão aceitar um grupo de mulheres. Ninguém vai querer assistir uma apresentação delas”.

Princesa do Maracatu Coração Nazareno em viagem para fazer apresentações

Outras ainda, eram quase ameaçadoras da feminilidade, afirmando que “as mulheres vão se masculinizar se começarem a dançar o maracatu”.

Ouvi também algumas generalizações completamente infundadas como “as mulheres estão felizes com os papeis (secundários) que ocupam hoje” ou “as mulheres brigam e não vão conseguir formar um grupo coeso” ou ainda “as mulheres competem entre si e não se alegram com o sucesso e a beleza das outras, nunca vão conseguir ter um grupo!”.

Sem contar algumas afirmações que não refletem a mais pura crendice sem sentido como “Dá azar uma mulher cruzar na frente de um caboclo de lança, imagine uma mulher ser um caboclo de lança!”.

Dois anos depois, ao voltar para a cidade, tive a oportunidade inesquecível de acompanhar as apresentações do grupo Coração Nazareno, um grupo composto só de mulheres. Um grupo que desafia todas as tradições e prova que as mulheres são realmente capazes de tudo.

Não dá pra deixar as crianças sozinhas em casa? Levamos as meninas para fazer parte do grupo desde cedo!

A indumentária é pesada demais? Fazemos uma adaptação no surrão para que fique um pouquinho mais leve!

Maracatu Coração Nazareno e a delicadeza das mulheres

Risco de se masculinizarem? Não vi nenhum! Muito pelo contrário, o que vi foram caboclas com brincos lindos, batom vermelho e unhas pintadas combinando com a gola. Muito apoio, muito carinho, muita preocupação com o sucesso (individual e do grupo), muito cuidado, não só com as crianças, mas com todas as participantes. Mulheres cuidadoras como mães e irmãs sempre são.

E se alguém ainda achava que elas iam fazer pouco sucesso, a agenda das moças estava lotada de apresentações. Viajaram durante todo o Carnaval de cidade em cidade pra se apresentar. Teve até uma apresentação em Recife! Todas com um público muito numeroso e atento.

Detalhe da indumentária do Maracatu Rural Coração Nazareno

É verdade que muitas das festas populares brasileiras são brincadeiras eminentemente masculinas. Em algumas, como no próprio Maracatu Rural, algumas mulheres até participam, mas, geralmente, não têm os papeis mais importantes.

Muita coisa mudou desde 1945, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) assinou o primeiro acordo internacional que afirmava princípios de igualdade entre homens e mulheres, mas, infelizmente, a igualdade ainda não é uma realidade em inúmeros lugares no planeta.

A força das mulheres do Coração Nazareno me dá a certeza de que estamos no caminho certo e de que é preciso continuar e não desistir nunca!

Espero que as meninas, de todas as regiões do Brasil, entendam que elas não têm que dar ouvidos para quem diz que elas não podem “qualquer coisa que seja” e que o exemplo das maravilhosas mulheres do Coração Nazareno se espalhe por todas as festas, de norte a sul do Brasil, pra gente provar que não existe sexo frágil, que não existe nada que não possamos fazer. Inclusive quando o assunto é diversão!

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